Vocação é o dom, ou habilidade, que recebemos de Deus para exercer determinada carreira, ou profissão.

O termo deriva do verbo no latim “vocare” que significa “chamar”. Ou seja, é uma competência que estimula as pessoas para a prática de atividades que estão associadas aos seus desejos de seguir determinado caminho. O sentido também é extensivo à vida religiosa, vocação matrimonial, e até a vocação para servir à Igreja como leigo nas diferentes pastorais e serviços.

Se perguntarmos ao Pe. Santo Pelizer, por exemplo, o nosso personagem de Histórias Inspiradoras dessa edição, que ingressou no seminário há 82 anos, ele vai nos lembrar que décadas atrás o despertar vocacional acontecia quase que na infância. Ele mesmo entrou no seminário aos 12 anos. Porém, com o passar do tempo, o excesso de informações, a tecnologia e a modernidade acabam por formar turbilhões na cabeça dos jovens, e por consequência, dificultar nas escolhas, o que leva as decisões importantes a serem tomadas mais tardiamente, seja para o matrimônio, seja para o caminho religioso ou sacerdotal.

Isso despertou também na Igreja, a necessidade de acolher pessoas mais adultas, na casa dos 20, 30 anos, para o processo vocacional. Ao que se chama de ‘vocação adulta’, em referência aos jovens que já tem uma formação profissional, passaram por experiências de vida, trabalho e outras responsabilidades, mas que sentiram um chamado a mudar de caminho.

Na nossa arquidiocese temos diversos padres que são exemplos nesse sentido. Entre eles está o Pe.  Rogélio José Pimentel.

DO DIREITO AO SACERDÓCIO

Pe. Rogélio José Pimentel fez a sua primeira experiência vocacional aos 16 anos, quando fez um estágio de 3 dias no seminário. “Senti que ainda não era hora e resolvi dar mais um tempo fora. Aliás, um tempo que durou vários anos”, lembra ele recordando que na infância havia recebido o convite para ser coroinha e de imediato recusou, mas depois ficou refletindo e resolveu voltar atrás e aceitar o compromisso na Igreja. “Dessa vez pensei que poderia acontecer da mesma forma”.  

Enfim, ele conta que voltou para casa, continuou ajudando o pai na lavoura nos fins de semana e trabalhando em uma tapeçaria em sua cidade (Campina da Lagoa-Pr) e com o salário pagava o consórcio de uma moto. Depois ingressou na faculdade de Direito. Ele conta que namorava bastante,  saía para as festas com os amigos e levava uma vida muito comum. Concluiu o curso de Direito trabalhando em um cartório, fez o exame da Ordem dos Advogados e foi aprovado. Na sequência ele fez pós-graduação em Gestão Pública Municipal e posteriormente, uma pós em Direito Notarial e Registral.

Apesar da vida estabelecida, a inquietação vocacional persistia. “Eu percebia que tinha dois caminhos a seguir, a vocação matrimonial e a sacerdotal. Até que em determinado momento, já aos 32 anos, percebi que não conseguia discernir sozinho, então busquei ajuda do padre da paróquia, que me encaminhou para fazer o estágio vocacional”, diz Pe. Rogélio.

Ele lembra que ao contar para a família sobre sua decisão, a primeira indagação do pai foi justamente sobre sua idade, considerando que essa era uma decisão a ser tomada ainda na adolescência. Mas ao ver o brilho nos olhos do filho, a mãe o repreendeu e pediu que o deixasse seguir. “No mesmo ano entrei no seminário, cumpri todas as etapas obrigatórias e aqui estou hoje, como padre, membro do clero diocesano de Cascavel, sentindo-me feliz e realizado com o caminho que escolhi”.  Pe. Rogélio foi ordenado padre em outubro de 2022.

Aos jovens que estão em dúvida, Pe. Rogélio diz: “Não tenham medo. Sim, porque dá medo, mas há uma ilusão de que o caminho de Deus é triste e que só fora dele é possível ser feliz. Mas isso é ilusão. Se aproximem de Deus, não tenham medo. É Ele quem mais quer a sua felicidade”.

DA CONSTRUÇÃO ÀS OBRAS DO EVANGELHO

A formação em Engenharia Civil e o emprego estável como engenheiro de uma construtora em Cascavel, onde trabalhava há cinco anos, não foram impeditivos para o Pe. Lucas Gustavo Ruzicki entrar no seminário e seguir a vida sacerdotal. Ele conta que a decisão veio aos 26 anos após uma adoração ao Santíssimo na capela do seminário. “Sou introvertido, mas sempre tive bons amigos, seja da Igreja ou da faculdade. Fiz faculdade de engrenharia civil na Unioeste, porque no ensino médio gostava de matemática e física”, diz lembrando que a primeira vez que pensou em ser padre foi aos 15 anos, em um retiro do Tabor, porém desistiu da ideia por não se sentir capaz de assumir tamanha missão.

Mas a voz interior era persistente. O chamado à vida sacerdotal não ia embora. “Depois de formado, em um retiro do Taborão, novamente senti forte chamado a dar minha vida para algo maior, me coloquei em oração e deixei o tempo passar, e, somente dois anos depois em outro retiro, falei com uma prima sobre a dúvida da vocação, e por meio dela outras pessoas proporcionaram uma conversa com o Dom Mauro. A partir de então deixei tudo para traz e entrei no Seminário Diocesano São José. Me ordenei em 2021 e hoje percebo que escolhi a vocação certa”, relata Pe. Lucas.

Ele considera que a maturidade influencia sim no exercício da missão. “O tempo ajudou a me conhecer melhor e a confiar mais em Deus. Então, para aqueles que ainda se sentem deslocados e com falta de sentido, é necessário tomar coragem para buscar o discernimento. Não é um caminho fácil, é preciso desprendimento, mas, com certeza, um caminho recompensador”.

DIACONATO PERMANENTE

Ainda falando em vocação adulta, no sentido religioso da palavra, temos os Diáconos permanentes. Estes são pessoas que já possuem personalidade formada, são independentes financeiramente, têm liberdade interior e ainda, que conseguiram um determinado grau de sabedoria a partir de experiências de vida.

Na Arquidiocese de Cascavel tínhamos apenas um, seu Arlindo Wust, que faleceu sem setembro de 2024. Mas, diante da necessidade de mais pessoas para auxiliar na evangelização das paróquias Dom José Mário, juntamente com a direção do Instituto São João Paulo II, decidiram criar a primeira turma, em formação, para o diaconato permanente.

O grupo, formado por seis homens, está seguindo todos os estudos exigidos pela legislação do Vaticano, o Código de Direito Canônico, e deverá concluir o curso preparatório no fim deste ano, com ordenação agendada para o dia 28 de dezembro, dia do encerramento do Ano Jubilar.

Conheça quem serão os nossos novos diáconos permanentes e o que os motivou a seguir este chamado. 

Algacir da Silva Dias:  “Acredito que foi um chamado divino. Tomar a decisão de aceitar o que Deus nos proporciona requer oração e discernimento consciente”, diz Algacir, que já havia concluído o curso de Teologia e atua ativamente na Paróquia Santo Antônio, de Ibema. “No momento em que o Padre Diony fez o convite para a escola diaconal, eu já sabia qual seria a minha missão, então nos reunimos em casa com a família e buscamos discernir correta e livremente sobre a resposta. E acredito ter tomado a decisão certa em aceitar o convite”.

“Estamos sendo formados para desempenhar uma missão muito importante na estrutura da nossa Igreja, na função diaconal”.

Algacir tem 58 anos, é formado em tecnologia, em Adm Rural e em Teologia. É aposentado como funcionário público federal. É casado com Edna Rita há 38 anos e tem um filho.

Mauro Cipriano da Silva: “Tudo começou quando eu quis conhecer a Igreja em sua profundidade e quanto mais estudava sobre ela, mais amava essa Igreja”, conta Mauro, que é formado em Teologia e mensageiro do cursilho. O convite foi feito pelo Pe. Sérgio, então pároco da São José Operário. “No momento me assuntei e pensei no tamanho da responsabilidade, porque uma vida consagrada exige muito mais, mas aí as coisas foram clareando”, relata.

O assunto foi pautado por Dom José Mário, que, em reunião com os padres, propôs criar uma turma para formação de diáconos.  “De lá mesmo Pe. Sérgio passou uma mensagem para mim. Cheguei a chorar no momento. Senti que realmente eu estava sendo chamado a exercer esse serviço.

“A minha primeira expectativa é de que o público aceite a gente, porque não é cultura em Cascavel ter diácono, por exemplo, para fazer casamentos, batizados, etc. Imagino que poderemos ter algum tipo de rejeição em realizar esses sacramentos, visto que somos a primeira turma em formação. Mas aos poucos vamos mostrando nosso trabalho às comunidades”.

Mauro tem 70 anos, é Bacharel em Teologia, com pós graduação em Atendimento Pastoral e Pós graduado em Capelania. Também tem formação como Juiz de Paz, graduação em Logística e Logística Reversa. Sua esposa é Cecilia Bernart da Silva, também aposentada.

Ronaldo Ribeiro: “A inspiração não surgiu de uma decisão repentina, mas foi sendo construída no decorrer dos anos e do serviço já prestado à comunidade. Ao longo do meu caminho de fé, tenho buscado ouvir a voz do Senhor e seguir os passos que Ele me indica (cf. Rm 12, 2). Juntamente com minha esposa (Lair) e minhas filhas, em oração, todos respondemos ao Senhor com sinceridade de coração, esse, “sim”, que cremos ser um chamado profundo vindo do Senhor Jesus Cristo.

“Estou consciente da responsabilidade que isso acarreta em mim e em minha família, e estou disposto a dedicar a vida a essa missão. Acredito que esse chamado é um presente de Deus e estou me preparando para começar essa nova jornada, servindo com humildade e amor e que o diaconato seja, uma fonte de amor e serviço para todos”.

Ronaldo tem 54 anos, é empresário, graduado em Administração de Empresas e em Teologia, com pós graduação em Inteligência Espiritual e em Inteligência Emocional.

Cesar Luiz Pilatti: Cesar lembra que há bastante tempo a vontade de servir a Deus com mais profundidade vem tomando seu coração. Em 2013 deixou um bom emprego para cursar Teologia. “Foram basicamente 7 anos e meio estudando a Igreja e os Evangelhos. Nos últimos anos venho participando das missas diárias, e assim, recebi o convite para o diaconato. Penso que é uma graça de Deus, um convite ao serviço.  E como aprendi que Deus capacita os escolhidos, então, houve um convite, eis-me aqui”.

“Vejo que os nossos sacerdotes tem muitas obrigações, e, que enquanto diáconos podemos auxiliar, pois este acaba sendo mesmo um serviço de auxílio paroquial.

Cesar tem 63 anos, é formado em Administração, Teologia e tem MBA em Marketing. É empresário, proprietário da Agência Integrada de Jornalismo e comunicação publicitária. Casado há 42 anos com Deizemaira, tem três filhas e um casal de netos.

Ernesto Dall ‘Agnol: “Venho de uma família muito religiosa. A mãe era catequista, um tio e três primos que são padres, e 10 primas religiosas. “Eu mesmo fiquei no seminário dos franciscanos, no RS dos 11 aos 18 anos. Depois vim para o Paraná me casei, e a parte espiritualficou um pouco de lado. Até que em 1995 tivemos um encontro profundo com Jesus, pois a filha de sete aninhos havia sofrido um grave acidente com lesão cerebral. E aí, diante do Santíssimo, clamamos e a graça de Deus nos alcançou. Essa filha voltou ao normal depois de 7 dias em coma”.

O acontecido trouxe Ernesto de volta à vida de espiritualidade e oração. Passou a servir na RCC e em retiros. Cursou Teologia e se engajou ainda mais nas pastorais e serviços, principalmente da paróquia Santa Luzia, na qual pertence. Recebeu de Dom José Mário o convite para compor a primeira turma em formação.

“Espero que a diaconia venha intensificar a caminhada de conversão e santificação minha e de muitas outras pessoas, para Jesus Cristo, na vivência do evangelho, que seja uma caminhada de vivência do amor operante, da prática da caridade”.

Seu Ernesto tem 71 anos, é agropecuarista, formado em contabilidade e pós graduação em ADM de empresas. Também é formado em Teologia e atua como MESCE na paróquia Santa Luzia. É casado há 48 anos com Rute Beatriz, tem quatro filhos e sete netos.

Pedro Guerra Neto: “Sempre tive admiração, carinho, zelo e devoção pelas coisas de Deus. Quando jovem queria ir para o seminário, mas meu pai não permitiu, pois precisava de ajuda na agricultura, que era toda manual”, relata Pedro, que vem de uma família de 7 irmãos.

Em 2004 ingressou no curso de Teologia. Ele lembra que em uma de suas visitas à turma, Dom Lúcio disse: “ao término do curso, os homens que quiserem, eu os ordenarei como Diáconos Permanentes”. “A frase despertou em mim um chamado, então perguntei, ‘Senhor, o que queres de mim?’”. Mas o assunto ficou adormecido com a mudança de arcebispo.

“Com a chegada de Dom Adelar a chama reacendeu. Então veio Dom José Mário, que nos acolheu com um sorriso e nos disse: ‘Claro que eu quero vocês como Diáconos e a Igreja precisa muito de vocês”. “Com a Graça de Deus teremos um trabalho muito frutuoso para a Igreja particular de Cascavel, onde poderemos desempenhar nosso papel de servidores do reino, como nos disse Jesus: “Eu vim para servir e não para ser servido. Sempre em comunhão e obediência a nosso Arcebispo, em comunhão com o Clero em favor do povo de Deus e com a intercessão de nossa Mãe “Maria Santíssima”.

Pedro tem 66 anos é formado em Economia, com mestrado em Contabilidade Gerencial e Planejamento Tributário e atua como gerente geral da empresa Pedreira Trevo. É casado há 46 anos com Verônica, tem dois filhos e duas netas.

VOCAÇÃO MATRIMONIAL
‘QUASE FIQUEI PRA TITIA’

Mas não é só para seguir o caminho sacerdotal e religioso que muitos jovens tomam a decisão tardiamente. Para os que seguem a vocação matrimonial, nem sempre ela se firma na tenra idade. Alguns, e não são raros, encontram a cara-metade em fase já bem adulta. E isso também dá um novo sentido à formação familiar, que acontece de forma mais amadurecida e segura.

Aliás, os caminhos vamos construindo conforme nossas escolhas, mas parece que Deus vai mesmo nos conduzindo. Sempre. Que o digam a Cleuza de Melo Silvério e o Juliano Camargo Silvério. Ambos tinham vivências bem diferentes, e já na casa dos 30 anos, viviam a expectativa de encontrar algo mais, ou alguém, que viesse para ressignificar suas vidas. E foi num lugar menos esperado, um retiro para jovens, que o encontro aconteceu. 

Nascida em Matelândia, Cleuza mudou-se para Cascavel para cursar a faculdade e acabou se estabelecendo na cidade. “Fui criada em uma família católica não-praticante e desde a infância frequentava as missas sozinha, mas não fiz catequese e nem havia recebido os sacramentos”, conta ela que chegou a transitar por igrejas evangélicas, mas sem criar vínculos.

Depois de ter passado por um relacionamento longo, permaneceu por muito tempo sem namorar. “Achava mesmo que tinha ficado para titia e estava cansada de viver uma expectativa que não se concretizava. Apesar do trabalho e dos amigos, me sentia bastante sozinha, foi quando comecei a sentir necessidade de me aproximar mais de Deus e buscar algo que preenchesse o meu vazio”, relata ela.

Em 2015, já com 34 anos, Cleuza decidiu participar do retiro para jovens do CFC – Curso de Formação Cristã, da Catedral. “Eu sabia que era o ‘retiro das cartinhas’, mas sequer sabia exatamente do que se tratava. Apesar das dúvidas e da hesitação em ir sozinha, fiz a inscrição, depois quase desisti, mas fui”.

Durante o retiro Cleuza conheceu Juliano, um jovem totalmente atuante na Igreja e que há alguns anos ajudava na organização do CFC. “Trocamos nossos contatos e começamos uma amizade, que logo evoluiu para namoro. Um ano depois noivamos e, em 28 de outubro de 2017 nos casamos”, relata ela.  

 O desejo de formar uma família, que já morava no coração de ambos, se intensificou após o matrimônio e, em virtude da idade, a primeira gravidez aconteceu dali a poucos meses, mas ela perdeu o bebê. Então resolveu fazer uma novena. “Diante de Nossa Senhora eu disse que queria começar a novena pedindo e terminar agradecendo. E foi o que aconteceu. No meio da novena descobri que estava grávida e, nos meus 38 anos nasceu o Joaquim, hoje com 6 anos, considerado um milagre pela família devido à gestação e ao nascimento peculiares”.

Formado em História e atualmente cursando Engenharia Civil, embora seja 4 anos mais novo, Juliano também já estava na casa dos 30 e sonhava em encontrar uma esposa e parceira para a sua vida, até então dedicada ao trabalho e à Igreja, onde atuava na equipe de música e nos grupos de jovens. “Esperava encontrar alguém com uma vivência de espiritualidade e fé, assim como a dele, mas parece que Deus lhe deu a parceira e o incumbiu de ser a ponte para o desenvolvimento espiritual dela”, brinca Cleuza. Mas ele resume: “Queria encontrar alguém para formar uma família”.

Foi depois que começou a namorar que Cleuza fez catequese e recebeu os sacramentos da Primeira Eucaristia e Crisma. Depois fizeram o curso de noivos e casaram sob as bênçãos do Pe. Jorge Ricardo Lindner. 

E foi assim que Cleuza deixou para traz aquela vida de incertezas para se aproximar cada vez mais de Deus ao lado do esposo Juliano. “Aquele retiro foi fundamental para eu redescobrir minha vocação. Foi como uma porta que se abriu para a felicidade, pois o casamento e a convivência me ajudaram a preencher um vazio interior, tanto na busca por alguém quanto na necessidade de um pertencimento religioso e comunitário.”

Ambos consideram que o relacionamento proporcionou companheirismo estável e solidário, além de transformar a relação da Cleuza com a Igreja, aproximando-a da fé por meio da prática católica e da convivência com uma família católica praticante. “Conforme os anos vão passando, vamos adquirindo experiências distintas. A maturidade trouxe mais capacidade de ceder e aceitar diferenças, fundamentais para uma união saudável. Também valoriza o aprendizado de que o casamento não é fácil, mas a maturidade facilita a caminhada conjunta, mesmo reconhecendo que não existe perfeição”.