Pe. Santo Pelizzer acumula quase um século de experiências e muitos exemplos de incentivo à caminhada sacerdotal.

Os jovens seminaristas que convivem hoje com o Pe. Santo Pelizzer, no Seminário São José, em Cascavel, não fazem ideia como era viver a vocação há 80 anos, quando ele ingressou na vida religiosa, junto à Ordem dos Franciscanos Capuchinhos, em Veranópolis/RS. Aliás, quem o vê, no auge dos seus 96 anos, com tamanha vitalidade e bom humor, não imagina como foi a vida desse homem, que rompeu barreiras, enfrentou dificuldades de todos os tipos e chegou a percorrer grandes distâncias a cavalo, para poder celebrar missas e evangelizar nas pequenas vilas do interior da região.


Embora de família praticante, que frequentava a missa todos os domingos e rezava o terço diariamente após o jantar, o menino Santo, nunca havia pensado em ser padre. “Eram os freis que escolhiam quem deveria entrar para o seminário e, certo dia, Frei Eugênio simplesmente apareceu na casa dos meus pais para dizer que eu havia sido escolhido junto com outros seis jovens da comunidade”, lembra ele.


Assim, no início de 1941, aos doze anos (ele nasceu em 28 de março de 1929) o jovem Santo deixou a família e embarcou junto com os novos colegas, na carroceria de um caminhão boiadeiro, de quem ganharam carona, para ir até o Seminário São José, onde estudou por 14 anos. “Nada se compara ao que os seminaristas vivem hoje. Naquele tempo ficávamos completamente isolados da família e da comunidade. Não havia telefone e não podíamos visitá-los, apenas recebíamos a visita dos pais uma vez por ano, mas as férias escolares passávamos integralmente dentro do seminário”.


Ainda com sentimento no coração, Pe. Santo lembra que sequer pode ir ao sepultamento do pai, quando ele faleceu vítima de câncer, em março de 1945 e à morte da mãe, em 1954, quando já era estudante de Teologia. Ele é o segundo irmão mais novo de uma família de 11 irmãos. Dois deles ainda vivem, o Fortunato, hoje com 99 anos e residente em Caxias do Sul, e Terezinha, com 94 anos, que mora em Flores da Cunha.

Mudança de rumo
A etapa de formação estava quase vencida, quando, antes de terminar a Teologia, Pe. Santo decidiu deixar os franciscanos e ingressar no clero diocesano, na Diocese de Vacaria/RS, onde concluiu os estudos e foi ordenado em abril de 1957. Ali exerceu a função de pároco por apenas um ano.
No início de 1958 embarcou rumo à região Oeste do Paraná, de onde nunca mais saiu. “Vim de carona no avião da Sadia. Desembarquei em Cascavel, mas tendo como destino Laranjeiras do Sul, que pertencia à prelazia de Foz do Iguaçu”, lembra.


Quando Dom Armando Círio assumiu a diocese de Toledo, em 1961, (essa havia sido fundada em 1959), convidou Pe. Santo para assumir como pároco na Catedral daquele município. Logo começou a ajudar a administrar algumas construções, que foram se transformando em capelas e paróquias pelo interior. Se tornou quase um especialista na área de desbravar novas comunidades e construir igrejas. E foi com essa finalidade que foi enviado à Cascavel.
“Cheguei no dia 5 de janeiro de 1962, para assumir a Catedral Nossa Senhora Aparecida, em lugar dos padres do Verbo Divino, que já haviam feito um trabalho muito profícuo aqui. E foi muito bom poder ajudar a abrir mais uma frente para a diocese”.


Com a experiência adquirida em Toledo, foi sendo designado para construir igrejas e abrir novas comunidades aqui também. Ao todo colaborou na criação de cerca de 12 novas paróquias entre 1958 e 1970. “O povo de Cascavel é muito participativo, generoso e aberto em ajudar, desde aquele tempo até hoje”, elogia Pe. Santo, que sempre precisou contar com a ajuda das famílias e das comunidades para edificar as construções religiosas.


Dedicação aos doentes
Há 37 anos, desde novembro de 1988, ele mora no mesmo quarto, no Seminário São José, de Cascavel. Mudou quando pediu ao Bispo que o deixasse dedicar seu tempo para cuidar com mais carinho dos doentes internados nos hospitais de Cascavel.


Sua rotina passou a ser visitas às UTIs nas segundas, quartas e sextas-feiras pela manhã, e atendimento em hospitais à tarde, com apoio da Legião de Maria na preparação dos doentes. Realizou esse trabalho sozinho por 32 anos, até 2020, quando a pandemia de coronavírus e recomendações médicas o afastaram das visitas hospitalares.
Por coincidência a casa onde reside hoje leva o mesmo nome do início de sua vida sacerdotal, São José. “Acredito que é o convívio com os jovens seminaristas que me dá energia para viver”, brinca Pe. Santo.


Ele acredita que a boa alimentação, a isenção de vícios e cuidados preventivos são importantes para ter longevidade com qualidade de vida. Tanto que tem acompanhamento médico constante e agenda semanal com psicólogo e fisioterapeuta, além de tomar cuidado ao caminhar e evitar esforços excessivos.

Lembranças
Dono de uma memória impecável, que lhe traz à tona datas e nomes com perfeição, Pe. Santo ressalta as diferenças entre o passado e o presente: “atualmente, os seminaristas ingressam com formação escolar mais completa, têm mais liberdade nas saídas semanais, contato com o comércio, visitas à família em caso de necessidade, e maior autonomia. O exercício do sacerdócio também evoluiu muito”, destaca, lembrando que enfrentou estradas de terra, sem asfalto, até 1964, e dificuldades de transporte, utilizando jipe, cavalo e, por vezes, caminhando muitos quilômetros para chegar a comunidades remotas. “As viagens eram longas e cansativas”.
Entre as lembranças também está a primeira festa do seminário realizada em 1968, quando os 4 mil kg de carne, somavam todas as partes dos bois doados e foram cortadas com serrote e assados em espetos de madeira no chão do bosque.


Em muitos momentos essas lembranças são compartilhadas com os jovens seminaristas, mostrando-lhes as dificuldades e desafios enfrentados no passado, e ressaltando as facilidades e oportunidades do presente, incentivando-os a valorizar a experiência e a missão pastoral. “Hoje, os seminaristas ingressam com formação escolar completa, têm mais liberdade, contato com a família e oportunidades de atuação pastoral, em contraste com a rígida disciplina e isolamento do passado”, salienta, ao afirmar que: “A a vocação é um chamado divino, não uma escolha pessoal”.

Agradecimento
“Quero agradecer a Deus pela minha longevidade – 96 anos de vida e 68 anos de sacerdócio. No meu caminhar sempre fui amparado pela proteção de Maria, Mãe da Igreja, Mãe de Deus e Nossa Mãe”, descreve Pe. Santo Pelizzer, que sempre foi guiado por seu lema sacerdotal: “A Jesus por Maria”.